Você já se perguntou por que, mesmo com a taxa Selic nas alturas, a inflação (IPCA) continua sendo uma dor de cabeça para os brasileiros? A lógica parece simples: juros altos deveriam frear a economia e, consequentemente, segurar os preços. No entanto, a realidade é muito mais complexa.
A persistência da inflação, mesmo com um diferencial de juros reais de quase 10 pontos percentuais, sinaliza que o problema vai além do controle da demanda. Fatores estruturais e expectativas de mercado estão, atualmente, dominando o cenário e desafiando a eficácia da política monetária. Em outras palavras, a Selic está tentando apagar um incêndio, mas há outras fontes de calor alimentando as chamas.
A seguir, vamos desvendar os três principais vilões que mantêm a inflação aquecida, mesmo com a Selic em patamares elevados.
1. Desancoragem das Expectativas e o Fantasma do Risco Fiscal
Primeiramente, é fundamental entender que a Selic funciona como uma ferramenta de sinalização para o futuro. Ao elevar os juros, o Banco Central não busca apenas esfriar a economia hoje, mas principalmente comunicar ao mercado seu compromisso em combater a inflação futura. Contudo, essa sinalização perde força quando a confiança é abalada.
É aqui que entra o risco fiscal. Se agentes econômicos, como analistas e investidores, percebem que o governo pode não conseguir controlar seus gastos e sua dívida, a credibilidade da política monetária fica comprometida. Eles passam a projetar que, para financiar o déficit, o Banco Central será pressionado a reduzir os juros antes da hora.
Como resultado, as expectativas de inflação futura disparam, ou seja, “desancoram” da meta oficial. As empresas, por sua vez, antecipam-se a esse cenário e já reajustam seus preços, criando um ciclo vicioso que perpetua a inflação, independentemente do quão alta a Selic esteja no presente.
2. Choques de Oferta: Quando o Problema Vem de Fora
Em segundo lugar, precisamos olhar para o cenário global. O Brasil é extremamente vulnerável a choques de oferta, que são eventos externos e imprevisíveis que afetam diretamente os custos de produção.
Pense nos preços das commodities. Por mais alta que a Selic esteja, ela não tem o poder de baixar o preço internacional do petróleo, dos alimentos ou da energia. Quando esses insumos essenciais sobem no mercado global, o aumento de custo é repassado para toda a cadeia produtiva no Brasil, um efeito conhecido como pass-through. Consequentemente, o IPCA sobe por uma pressão de custo, não de demanda.
Além disso, a taxa de câmbio também desempenha um papel crucial. Embora juros altos atraiam capital estrangeiro e ajudem a valorizar o Real, a instabilidade fiscal e as incertezas globais podem provocar o efeito contrário. Com o dólar mais caro, produtos e insumos importados pesam mais no bolso do consumidor e das empresas, adicionando mais pressão à inflação.
3. Inércia Inflacionária: O Peso do Passado no Presente
Por fim, um fator poderoso em economias com um histórico de inflação alta, como a brasileira, é a inércia inflacionária. Esse fenômeno acontece quando a inflação do passado continua a influenciar os preços do presente.
Isso ocorre principalmente através de mecanismos de indexação. Muitos contratos importantes, como aluguéis, mensalidades de planos de saúde e acordos salariais, são reajustados automaticamente com base em índices de inflação passados (IGP-M, IPCA).
Esse mecanismo cria um “piso” para a inflação. Mesmo que a demanda do consumidor esteja fraca, uma parte significativa dos preços da economia já está programada para subir, dificultando uma queda mais rápida e sustentada dos índices. Portanto, a inércia funciona como uma memória que impede a economia de se livrar completamente da alta dos preços.
Conclusão: Uma Batalha em Múltiplas Frentes
Em resumo, fica claro que, em períodos de grande incerteza, a influência da Selic sobre a demanda perde força. Fatores como o risco fiscal, os choques de oferta e a inércia inflacionária se tornam mais determinantes para o comportamento dos preços.
O juro real elevado é, na verdade, a resposta do Banco Central para tentar compensar a fraqueza desses outros fatores. Ao fazer isso, ele busca forçar uma desaceleração econômica ainda mais intensa para, finalmente, reconquistar a credibilidade e trazer a inflação de volta para a meta.
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